A conservação de fotografia

 

Foto - Ambrótipo e ferrótipos (coleção Paulo de Barros )

 

    Realizamos aqui alguns comentários sobre o tema da conservação de fotografia visando dar uma idéia do que trata essa disciplina. O que se busca é informar sobre as competências e o que é, em linhas gerais, o trabalho de um conservador de fotografia.

 

    Foi o desenvolvimento da fotografia, seja em termos de linguagem e de técnica, que contribuiu para sua expansão e fez com que acontecesse a penetração do ofício de fotógrafo - e também de amadores interessados pelo meio - desde os centros urbanos até as mais longínquas zonas rurais do país.

   

    O que resultou com que, hoje, existam importantes documentos imagéticos de inegável importância como instrumento de memória, de dados e fatos históricos e expressão artística. São imagens que nos trazem informações do passado, recente ou remoto, e que de outra maneira poderiam não ser documentados, sendo a fotografia muitas vezes, a única forma de preservar fragmentos do passado.

 

    O uso e a importância dada a essas imagens na contemporaneidade demonstra ser impossível não reconhecer nos meios visuais, e em específico na fotografia, o amplo espectro de informações que eles podem conter e do qual podemos tirar proveito para o conhecimento das sociedades, pois estas  influem de forma categórica na construção da ideologia e da cultura.

 

    Hoje, mesmo que anônima, sabemos  que uma simples imagem fotográfica pode nos dar testemunho das mudanças que se produziram dentro de uma sociedade e num determinado grupo social.

 

    Esse pensamento, muito recente, da fotografia como produtora de conhecimento passou a impulsionar e valorizar a preservação imagética de forma mundial, o que fez com que a fotografia passasse a ser vista também como patrimônio, já que esta constitui um testemunho do desenvolvimento estético, histórico e tecnológico de uma sociedade.

 

    Se o interesse pela preservação de um objeto esta precedido por um reconhecimento e valorização da importância desse objeto pela sociedade, o fato de ser  ainda tão nova essa  consciência do valor da fotografia como patrimônio,  fez com que esta seja uma das ramificações mais jovens do campo da preservação do patrimônio cultural.

 

    Esse tardio reconhecimento e valorização da fotografia como patrimônio, e conseqüentemente, no campo da preservação uma recente atividade, como nos aponta o conservador mexicano Juan Carlos Valdez, pode ter se dado principalmente por duas razões:

   Primeiro pelo pensamento de que as fotografias tem pouco tempo de existência em comparação a outros objetos que ocupam o fazer principal da preservação. Segundo pela idéia de que as fotografias, desde as suas origens, são elementos de uso cotidiano, na qual não se atribuía nenhum valor artístico ou cultural.

   

    Muitas das fotografias produzidas desde o século XIX no Espírito Santo, que resistiram e sobreviveram ao tempo, parecem ter chegado até o presente como que por uma vontade própria de se afastarem do apagamento. Mas a verdadeira garantia de vida dessas imagens, está em uma única possibilidade: a de serem vistas como patrimônio.

   

    E para isso acontecer é necessário haver consciência de se considerar a imagem fotográfica não somente um documento carregado de informações históricas, culturais e sociais, mas sobretudo uma parte viva de nosso patrimônio cultural que necessita com urgência de políticas de preservação.

   

    Guardadas em caixas e armários, as fotografias antigas e todo um rico conteúdo que estas possuem e que permite uma multivisão sobre o passado nunca se integrarão à história do Estado nas suas mais variadas facetas.

   

    Cada ação, cada gesto de se preservar o patrimônio fotográfico no Espírito Santo podem trazer à tona importantes aspectos que contribuam para a consciência da importância do papel do meio fotográfico para estudos multidisciplinares sobre o Estado.

 

    Para efetivamente realizar um trabalho de conservação de uma coleção de fotografia, e assim prolongar sua vida útil, será necessário requerer mão-de-obra especializada para cuidar tantos dos aspectos técnicos como dos conceituais que esta coleção possa demandar. Atender essas duas demandas, até hoje, é uma das carências do setor, pois ainda existe uma lacuna de  falta de opções, no país, para a profissionalização.

 

    Para se trabalhar com a conservação de fotografia se faz necessário reconhecer a multiplicidade e a amplitude dos dispositivos técnicos disponíveis à criação fotográfica. E que a fotografia é um espaço rico para muitos estudos e investigações e que comporta inúmeras possibilidades de construção de conhecimentos: histórico, literário, sociológico, filosófico, semiótico, antropológico, artístico, etc.

   

    Todo esse universo permite se aproximar e pensar a fotografia a partir de uma visão ampla que ajuda o conservador ter um olhar profundo sobre seu material de trabalho e, principalmente, estar apto a avaliar as diferentes qualidades que possam vir a ter uma fotografia.

 

    E necessário entender que a fotografia é um fenômeno histórico que durante sua existência produziu um material que é, em seu conjunto, um bem patrimonial de valor cultural múltiplo, pois carrega uma multiplicidade  de valores  e acontecimentos.

 

    No entanto, ainda que seja importante essa visão ampla sobre a fotografia anteriormente comentada,  é importante dizer que a formação no campo da conservação da fotografia vai muito alem desses conteúdos. A grande equivocação, comumente percebida no que tange respeito a conservação de fotografia, é a concepção da valorização da fotografia exclusivamente pelo seu conteúdo, seja este artístico ou documental. Essa concepção ainda é o fator que dirige a gestão de muitos conjuntos fotográficos patrimoniais, mas que, efetivamente, não contribui de forma eficaz para dar vida útil aos acervos fotográficos.

 

    É impossível, e também pouco eficaz, propor a gestão, conservação ou restauração de acervos fotográficos como uma visão e preparação profissional que valorize somente as qualidades da fotografia considerando seus conteúdos gráficos: o sujeito, os objetos representados ou mesmo o sujeito produtor da imagem. Os aspectos das competências que dão corpo a gestão de materiais fotográficos exige muito mais do que isso.

 

    Esse repertório dos conteúdos fotográficos na formação de quem trabalha com a fotografia é importante, mas só esse víeis não consegue estabelecer métodos de conservação que salvaguardem a integridade física dos artefatos fotográficos. O que se pretender fazer entender é que a atuação patrimonial guiada exclusivamente por estes princípios não geram para o patrimônio fotográfico sistemas de gestão e conservação úteis.

   

    No caso da fotografia, deve-se conhecer bastante a sua história tecnológica, todos os processos físicos e químicos que a envolvem, que são vários e bem diferentes, além dos aspectos gerais da conservação e das políticas de  preservação.

 

    Reconhecer os procedimentos fotográficos e analisar as deteriorações presentes nas fotografias é um trabalho complexo porém absolutamente necessário para estabelecer as condições idôneas de conservação.  Estes são os conhecimentos específicos realmente imprescindíveis a um conservador ou restaurador de fotografia.

 

    É necessário a modo de exemplificação fazer duas distinções: um é sobre o conteúdo fotográfico, que é o elemento mais variável daqueles que se encontram no material fotográfico, tão variável como os acontecimentos  que podem representar e tão complexos como pode ser a informação textual escrita a partir de uma imagem.

 

    O outro é o continente fotográfico, comum a todo material fotográfico, é onde deve estar as competências do especialista em fotografia. E aqui que estão os conhecimentos necessários para  tratamento  de materiais fotográficos  e que permite sua correta gestão, conservação e também sua descrição e catalogação

 

    Qualquer atuação sobre um material fotográfico que não tenha em conta os conteúdo do continente fotográfico não se pode considerar  como uma atuação responsável e sendo assim não será correta.

 

    É do continente fotográfico que são oriundas as competências necessárias que o conservador de fotografia deve ter para realizar de forma eficaz o trabalho com o patrimônio fotográfico, da qual, a modo de exemplificação, destacamos algumas dessas competências:

 

    - A identificação  dos  procedimentos fotográficos: são diversas as técnicas utilizadas para a identificação dos materiais fotográficos, realizar essa tarefa  permite acessar as informações necessárias para tomar as decisões das medidas de conservação corretas e apropriadas. É através dessa ação que, por exemplo, são decididas as necessidades de acondicionamento das fotografias e os procedimentos de higienização de uma peça fotográfica, que são diferentes para cada tipo de material fotográfico.

   

    Importante ressaltar que algumas fotografias podem ser potencialmente perigosas pois podem emitir gases a medida que se deterioram e podem causar danos a outras peças fotográficas do mesmo local ou mesmo provocar um incêndio.

 

    A habilidade de diferenciar os processos fotográficos se faz fundamental  para realizar a seleção das condições ambientais, das caixas, envelopes e demais matérias de acondicionamento apropriados para a conservação. É o caso, por exemplo, dos negativos de acetato e nitrato de celulose que tem especificidades próprias no acondicionamento diferentes por exemplo dos negativos de poliéster ou dos negativos de vidro.

 

    - A identificação das deteriorações – as deteriorações em fotografia são geradas em função de vários fatores: condições  ambientais; ação do ser humano;  fator biológico;  processamento deficiente das fotografias; instabilidade dos materiais fotográficos, etc. O conhecimento dos tipos de deterioração que se  apresentam nos materiais fotográficos é importante pois podem ser de grande auxilio ao trabalhar na identificação dos materiais fotográficos e contribui para indicar quais os procedimentos que serão adotados no tratamento da peça fotográfica.

 

    - Higienização das peças fotográficas –  é necessário ter domínio técnico dos procedimentos e intervenções possíveis de se realizar em uma peça fotográfica e que serão definidos pelo diagnóstico do seu suporte e do material da qual se constitui a fotografia. É necessário que o profissional tenha critérios, experiência e, sobre  tudo, conhecimentos que permitam essa intervenção.

 

    - O acondicionamento das  fotografias. O principal objetivo do armazenamento dos materiais fotográficos é reduzir sua deterioração, cabe  ao conservador a decisão de eleger os materiais da qual esses serão confeccionados, e também o desenho que estes terão, o que será um fator determinante que garantirá  a salvaguarda dos materiais fotográficos e o prolongamento de sua vida.  A decisão de utilização de materiais para a produção de embalagens de qualidade não apropriada, ou um desenho inapropriado que estes possam ter, trará conseqüências no futuro para o material fotográfico pois este fará com que o seu processo natural de deterioração se acelere.

 

    Estes são exemplos de algumas das competências necessárias que deve ter um conservador de fotografia. Sobre tudo é necessário considerar que a conservação de material fotográfico é uma disciplina científica que aponta os limites deontológicos precisos em relação a ação dos profissionais e as intervenções possíveis de se realizar nos diferentes tipos de suportes e procedimentos fotográficos. Sem os conhecimentos específicos sobre conservação de fotografia não se consegue  o objetivo  de  prolongar a vida dos acervos fotográficos .