"Francisco Seibel e Emilio Schultz:

dois fotógrafos num casamento pomerano”

 

 

    O livro “Francisco Seibel e Emilio Schultz: dois fotógrafos num casamento pomerano” denota a expansão e penetração do ofício de fotógrafo até as zonas rurais do país, e vem apresentar um pouco da produção fotográfica de dois fotógrafos descendentes de imigrantes que atuaram no interior do Estado, Laranja da Terra e Laginha de Pancas, entre os anos de 1930 e 1970, e com raízes fincadas na tradição e cultura pomerana. O trabalho destes dois fotógrafos denota a relevância que a imagem fotográfica tem na vida da comunidade pomerana, marcada pela cultura rural desde o início da imigração até os dias atuais.

   

    O trabalho apresentado sobre a produção fotográfica de Seibel e Schultz tem duplo objetivo: num primeiro momento o de resgatar, preservar e divulgar estes documentos fotográficos e, num segundo, discutir a sua importância como documento para a comunidade pomerana e para o Estado do Espírito Santo.

   

    O ponto de partida proposto pelo autor para mergulhar no acervo fotográfico destes dois fotógrafos é a analise de dois importantes acontecimentos que se entrecruzam no século XIX: o desenvolvimento e expansão da fotografia, que faz que muito rapidamente essa extrapole as fronteiras da Europa, “imigrando” e atravessando os oceanos e chegando aos mais distantes pontos da Terra. E o fenômeno da imigração, que fez alterações importantes na geografia humana mundial, pois fez circular pessoas por todos os lugares do planeta gerando transformações sociais, políticas e econômicas internacionais e também locais.

 

    O autor aponta que o vínculo entre fotografia e imigração não se detém apenas em pensá-las como um produto e um acontecimento resultantes da economia industrial do século XIX. A fotografia teve um papel fundamental na comunicação entre muitos grupos que imigraram no século XIX e suas comunidades de origem. As imagens fotográficas deixadas pelos imigrantes, e também as que trouxeram dos parentes que não vieram, permitiu a manutenção de elos entre os que partiram e os que ficaram na terra natal, contribuindo para a conservação dos laços culturais e afetivos, pois elas possuíam o caráter simbólico da presença da família.

   

     Para Paulo de Barros a fotografia teve um papel importante não só como registro dessa jornada realizada pelos imigrantes e com os diferentes significados que a ela foram atribuídos nesse processo de imigração como um sistema comunicador, ela colaborou, também, para fazer íntimo o sujeito com o espaço novo a que chegara, pois o sentimento de pertença do imigrante com seu novo lugar em muito se revela quando este começa a fazer o registro fotográfico de si mesmo e das suas conquistas na nova terra.

   

     É a partir dos fatos históricos ligados a estes dois acontecimentos originados ainda na Europa do século XIX, um que fez circular imagens e outro que fez circular pessoas por todos os lugares do planeta, que o autor busca elucidar o surgimento desse arquivo fotográfico em uma realidade rural do Espírito Santo. Situando assim origem desse arquivo no tempo e no espaço e conseqüentemente conferindo a ele importância para a história e cultura do Estado.

   

      Parte do conteúdo do livro é dedicado às particularidades da vida dos dois fotógrafos: suas origens no interior do Estado, os laços de amizade existentes entre eles e o início da relação deles com a fotografia. O autor busca reconstituir o processo de trabalho dos dois fotógrafos apresentando para isso os recursos técnicos com os quais os dois trabalhavam e o cotidiano de suas atividades, procurando com isso retratar a aventura de ser fotógrafo numa realidade rural do Espírito Santo, principalmente no período compreendido entre os anos de 1930 e 1970, fase mais intensa das atividades dos fotógrafos Francisco Seibel e Emilio Schultz.

  

      O autor também chama a atenção na relação existente entre os dois fotógrafos, marcada pela forte amizade, pelo caráter curioso e investigativo e pelas habilidades particulares que cada um trazia. Segundo o autor é esse espírito curioso e inventivo que fez com que os dois fotógrafos ampliassem o seu repertório de mundo e também fez com que eles deixassem de ser dois homens voltados exclusivamente para a agricultura, na época, e na região, a principal fonte de renda e sobrevivência.

   

     Ao tratar do resgate e seleção dos assuntos registrados nas fotografias destes dois fotógrafos, que tem como eixo temático principal o universo cultural e a realidade rural da comunidade pomerana, Paulo de Barros realiza uma leitura formal da convenção estética adotada pelos dois fotógrafos e dos detalhes icônicos mais importantes que compõem seus arquivos visuais apresentando os temas a que mais se dedicaram os dois fotógrafos: fotografia de família, crianças, mortuária, arquitetura e a fotografia do casamento pomerano, este ultimo o foco e o tema principal da profissão destes dois fotógrafos. É essa modalidade fotográfica, o casamento pomerano, que vai garantir aos dois fotógrafos os recursos necessários para sua sobrevivência em uma realidade rural do interior do Estado e que permitiu que estes dois homens educados para o campo trocassem a profissão de agricultor pela de fotógrafo

   

    Para o autor a importância e o valor das imagens destes dois fotógrafos em relação à identidade pomerana se sustenta no fato de que as fotografias de Seibel e Schultz apresentam uma realidade rural própria da cultura pomerana na qual tanto o fotografado como o fotógrafo são intimamente ligados, relação fluida e sustentada na confiança mútua entre o fotógrafo e o fotografado que se vêem como iguais. Nessa perspectiva o que apresenta as fotografias de Seibel e Shultz não é um mundo rural idealizado por intelectuais, folcloristas ou preservadores da cultura popular, elas não foram produzidas para mostrar os tipos populares e a singularidade humana da vida no campo, tampouco querem mostrar festas folclóricas e uso de vestimentas regionais, ou seja, não se trata de um rural idealizado e estereotipado tão difundido pelos profissionais da imagem nas mais diferentes épocas.

   

    Segundo Paulo de Barros as imagens de Seibel e Schultz transcendem esses modelos de imagens estereotipadas do mundo rural e nos trazem uma originalidade que está justamente centrada na identificação que tinham estes dois fotógrafos com a sua comunidade. O que tinham em comum fotógrafos e fotografados, e que os uniam, eram as mesmas origens sociais, que fizeram acontecer um encontro de olhares conhecidos e cúmplices.

   

    Ao final destas considerações são apresentadas as imagens produzidas por Francisco Seibel e Emilio Schultz que, para Paulo de Barros, são imagens que ao nos apresentarem registros de gestos, cerimônias e rostos contribuem para fundamentar a imagem fotográfica como um meio capaz de mostrar a multiplicidade de se representar do ser humano e para trazer à tona ainda mais o valor e a importância da comunidade pomerana não só no desenvolvimento do Estado, mas também na sua identidade cultural. O autor enfatiza que as fotografias de Francisco Seibel e Emilio Schultz também simbolizam estes mais de 150 anos de luta dos pomeranos em terras capixabas. Portanto, o valor que elas têm é enorme, pois os pomeranos que estão nas fotografias são os descendentes daqueles que cruzaram o mar, resistiram à selva e morreram na luta da conquista da terra prometida. 

   

     A publicação do livro conta com o apoio da lei Rubem Braga de incentivo a cultura e  Banestes.

     informações sobre o livro: paulodebarros@ymail.com / 88172013